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do seio, a maçã - uma análise sobre "A Bruxa" (2015)

  • Foto do escritor: Pedro Tomé
    Pedro Tomé
  • 24 de nov. de 2020
  • 9 min de leitura

Atualizado: 30 de nov. de 2020

“(…) Eu confesso, vivo no pecado.” Assim inicia-se a primeira frase, e a jornada dramática, de Thomasin, jovem protagonista do inesperado sucesso The Witch – A New England Folktale (2015), película de horror do debutante diretor norte-americano Robert Eggers.

O consagrado teórico brasileiro Jean-Claude Bernadet, em sua obra O Autor No Cinema, discorre: “O autor cinematográfico não saiu ileso (…)não morreu completamente, e aqui ou lá, reaparece”. Tal afirmação parece, em determinada esfera analítica, adequada à produção apresentada por Eggers. Roteirista, coprodutor e diretor de seu primeiro longa-metragem, o cineasta norte-americano exibe um excepcional domínio da linguagem fílmica, ao tratar, de maneira original, uma das mais difundidas figuras do folclore inglês

- e mundial -, a bruxa.


A complexa narrativa de época apresentada pelo diretor estreante segue os acontecimentos da vida de uma família britânica recém-mudada para a colônia da Nova-Inglaterra, após romperem relações e deixarem o vilarejo onde viviam, devido à divergências com o protestantismo. William (Ralph Ineson), patriarca da família, é julgado pelo conselho do vilarejo após ser flagrado pregando o evangelho. A família então decide mudar-se para fora da colônia, na floresta, onde poderiam viver longe do pecado.


O longa, e consequentemente seu primeiro ato, inicia-se com um estático plano médio de Thomasin (Anna Taylor-Joy), de frente à câmera, apresentando-a logo como protagonista. O plano da bela jovem é seguido por outros dois, no mesmo enquadramento, neles estão, respectivamente, Caleb, filho “do meio”, e os gêmeos Jonas e Mercy, mais jovens. A sequência tem narração de William, pregando sua crença bíblica de que protestantes são “falsos cristãos” (00:01:19), durante o julgamento de sua família. Os filhos são, então, em sua totalidade, apresentados de maneira frontal, enquanto os pais, William e Katherine (Kate Dickie), de costas. Uma relação pode ser esboçada: os pais, senhores de suas próprias ações, decidem romper com os princípios pelos quais decidiram explorar o “mundo novo”, decidem negar os valores do “bem coletivo”, dão às costas para o meio onde estão inseridos. Este não é o caso das crianças, ainda supostamente “ingênuas”.


A família muda-se para uma pequena cabana ao lado da floresta, onde tentam cultivar milho para subsistência. O ermo, frio, e acinzentado local, serve como palco para uma bem-arquitetada trama sobre uma apartada família, isolada em sua cada-vez-mais-cega idolatria, desmoronando sob seus próprios “pecados”.


O pecado é, inevitavelmente, o pilar de sustação, a chave teórica desta análise.


Como citado anteriormente, Thomasin inicia sua primeira fala admitindo pecar, e quebrar, sem exceção, todos os mandamentos de Deus. A protagonista, completamente envolta e perdida na milenar sombra da culpa cristã, perde perdão à uma lúdica figura que parece não entender completamente – ou acreditar.


Não demora muito até a suposta fé da extremista família ser botada à prova, mais especificamente, 7 minutos. Sam, o filho caçula, some de maneira inexplicável enquanto está sob os cuidados de Thomasin. O mistério sobre o desaparecimento do bebê não demora a ser apresentado ao espectador: na sequência seguinte, num expansivo e distante plano na floresta, uma estranha figura trajando capuz e capa vermelhos é vista correndo. Sam ainda é visto por uma última vez, deitado, sendo acariciado por uma mão idosa – mão que, poucos instantes depois, apresenta um afiado facão. A figura, reconhecidamente bruxa, banha-se no sangue da não-batizada criança. Seria então esta macabra figura/mulher, uma projeção alegórica do que estaria por vir?


Neste momento a chave analítica da obra começa a se revelar: Após Thomasin se declarar pecadora, em diferente cena, Caleb exibe pensamentos também pecaminosos - olha discretamente para o contorno dos seios de sua irmã.


Atuando como uma metáfora nietziana, o milho plantado por William nasce, perto de sua totalidade, apodrecido. Fato este que Caleb e seu pai à procurar caça na “proibida” floresta. O filho, durante percurso, recita, em voz alta, diferentes passagens bíblicas, agradando seu pai. Os valores dogmáticos do patriarca são questionados mais uma vez quando admite, em segredo, ter trocado o copo de prata de sua esposa, sem avisá-la, por armadilhas para animais. William mostra-se, então, também pecaminoso. O jovem filho, ainda na mesa cena, revela-se extremamente preocupado com seu destino pós-vida, claramente abalado pelo desaparecimento do irmão. Ainda durante a sequência, um pequeno coelho é visto.

Dois pontos devem ser ressaltados na cena em que pai e filho voltam da floresta

  • A apresentação de Black Phillip ao espectador

  • A reação de Caleb após sua mãe questiná-lo

O gêmeos, Mercy e Jonas, iniciam a importante cena cantando um música:

“Black Phillip, Black Phillip, a crown grows in his head.

(...)

Black Phillip, Black Phillip, the King of all

Black Phillip, Black Phillip, we are your servants, we are your men.”


tradução:

“Black Phillip, Black Phillip, uma coroa cresce em sua cabeça.

(...)

Black Phillip, Black Phillip, o rei de todos

Black Phillip, Black Phillip, somos seus serviçais, somos os seus homens”.

O indivíduo a qual as crianças se referem é, na realidade, um bode, de cor preta, que mora na fazenda. Os gêmeos, aparentemente inocentes, alegam pode comunicar-se com o animal.


O segundo, e não menos importante ponto, apresenta-se logo após os pseudos “homens-da-casa” voltarem da Floresta. Katherine, ao perceber que seu marido e seu filho estão de volta, aborda-os, fazendo questionamentos sobre onde estavam. William, temeroso que sua esposa descubra sobre o copo de prata, desconversa. Porém, Caleb não se dá por satisfeita e decide, numa ação impulsiva, dizer à mãe que estavam no vale, procurando macieiras. O jovem garoto repete, durante vezes, que havia visto maçãs no vale. Caleb havia, então, mentido. Logo após descobrir que seu pai, pregador extremista, mente, a frágil criança, num ato tipicamente freudiano, copia seu pai.


OUTRA ANÁLISE DEVE SER FEITA:


Caleb decide usar maçãs como justificativa para seu desaparecimento momentâneo. O garoto, que há poucos momentos mostrava-se extremamente apreensivo se deus o absolveria de seus pecados-já-inatos, agora usa a mais conhecida alegoria pecaminosa – a maçã proibida de Adão e Eva – como ferramenta para executar um ato pecaminoso. A alegórica fruta continua seu papel reincidente ao longo da narrativa. Pouco tempo após o menino mentir para sua mãe, Thomasin, demonstrando descontentamento com a saída da Inglaterra e com a falta de conforto na vida, diz: “(...) I’ve seen no apples since we came from England...”.

O relacionamento de Caleb e Thomasin é, inegavelmente, diferente daquele vivido pelo resto da família. Os dois, em distintos momentos do longa-metragem, figuram juntos como “parceiros” de tela. A cena em que ambos estão ao lado lago revela, também, importantes pontos para a análise desta peça fílmica. O primeiro, quando Caleb chaga ao lago - seu olhar, ao encontrar Thomasin, direciona-se automaticamente para o decote de sua roupa.


O segundo ponto, quando Mercy, em tom de brincadeira, diz “I be the witch of the woods” (“Eu sou a bruxa da floresta”). É primeira vez no longa, até este ponto, que um personagem toca diretamente no assunto “bruxaria”. Mercy ainda alega ter visto a bruxa sobrevoando as árvores, e que Black Phillip havia lhe contado que fora ela quem roubara Sam. Thomasin, por sua vez, decide assustar sua irmã, dizendo que na realidade, ela seria a bruxa – e que levara Sam ao seu “mestre”.

“(...)My body sleeps away and dances naked with the devil” (“Meu corpo adormece e dança, nu, com o diabo”) – crava a jovem moça.

O tempo passa, a narrativa progride, e o pecado, mais uma vez, visita a casa da cada-vez-mais-isolada família. Katherine, ainda lamentando o luto por um corpo nunca achado, demonstra rancor e raiva por sua filha, Thomasin, julgando-a culpada pelo desaparecimento de Sam – no momento em que a família janta, unida, a matriarca acusa sua filha de ter perdido o copo de prata.

O luto é, indiscutivelmente, importante peça no desmoronamento da estrutura familiar, durante dias Katherine chora, lamenta a perda de seu filho. (sem saber o que viria em seguida).

  • a fé está abalada –

Mercy e Jonas externalizam ainda mais a quebra da fé familiar – acusam Thomasin de ser a bruxa. A jovem nega, porém, logo em seguida, quando começa a ordenhar Flora, a cabra branca, percebe que ao invés de leite, a teta havia produzido um denso e escuro líquido vermelho – sangue.


A última sequencia de Caleb e Thomasin juntos, talvez seja, uma das mais esclarecedoras do roteiro. A floresta. Os dois irmãos fogem para procurar comida. Fowler, cão da família, no meio do caminho, sai correndo, e ambos se perdem. Caleb, agora sozinho, vaga por uma cinzenta floresta-sem-folhas, possível metáfora para seu âmbito familiar – uma família sem sua essência. Thomasin, por sua vez, cai do cavalo, e desacordada permanece até pôr-do-sol. Uma pergunta faz-se necessária: seria o desmaio da moça, conveniente para o desenvolvimento da narrativa, e se sim, seria isto uma questão técnica, ou dramática?

(outra cena do longa levanta, também, a mesma pergunta – quando Sam é acariciado pela bruxa, no início do filme, e olha fixamente para o lado, sem desviar o olhar, seria isto uma necessidade dramática, como medo da macabra mulher, ou necessidade técnica no formato de alguma impossibilidade de trabalho com atores mirins e cenas fortes?)


Thomasin acorda na floresta. Assustada, corre em direção à sua casa. Já seu irmão, completamente perdido, encontra Fowler morto, com a suas tripas arrancadas. O jovem garoto, muito assustado, corre a esmo, sem direção. Nesta sequência, o diretor Robert Eggers exibe um de seus principais êxibos na obra: o incômodo. Caleb, em determinado momento da ação, avista, novamente, o coelho que havia visto na floresta e no celeiro da fazenda. Tenta chegar até o animal, que mantém-se atrás de diversos galhos. Caleb adentra o “mar de galhos” e durante diversos minutos, esforça-se para passar entre a madeira – a cena é aflitiva, longa, e bem executada.


A tensão, então, é criada, e chega ao seu ápice na cena seguinte, depois que o menino consegue passar entre os galhos. Bem no meio da floresta, lá, depois dos galhos, uma casa de grande chaminé é vista pelo garoto, que, em estado de quase-choque, sente-se atraído pelo local, andando em sua direção. De dentro da estranha e escondida casa, uma bela mulher sai, trajando uma roupa de sinuoso decote e uma capa vermelho-sangue-maçã, a estranha moça o chama, usando um penetrante olhar e seus fartos seios – evidente analogia aos constantes olhares do jovem menino aos seios de sua irmã.


A progressiva tensão criada pela atmosfera da cena ganha tons sexuais, e a atraente mulher – a bruxa como alegoria metafórica dos desejos pecaminosos de Caleb -, no ápice do momento de tensão, dá grande beijo na boca da jovem criança.


  • o pecado é consumado –

Caleb passa dias desaparecido. E é Thomasin quem o acha, nu, e se contorcendo, do lado de fora do celeiro. A questão da nudez une-se diretamente à questão da sexualidade em The Witch – Caleb reaparece, nu, e logo que é levado para casa, em meio a delírios, diz:


“(...) She desires me...” (“Ela me deseja”)

“ She desires of my blood!” (“Ela deseja meu sangue!) – acompanhado pelos gêmeos Jonas e Mercy.

Depois de muito sofrer e pedir perdão à Deus, Caleb, engasgado, cospe uma maça, ainda intacta, podre.

  • o pecado está dentro dele-

O jovem finalmente cala-se, e depois de poucos segundos, ergue-se mais uma vez, dizendo:

“My sweet Jesus, my love, kiss me with the kisses of thy mouth”

“Meu doce Jesus, meu amor, me beije com os beijos de sua boca”


A extensa fala é finalizada por longos e contínuos gemidos de prazer, vindos do menino, que logo em seguida, morre. William então, num ato de descontrole, prende seus filhos no celeiro, acreditando que um deles pudesse estar enfeitiçado (ou ser a própria bruxa).

A noite no escuro ambiente não foge do tenso clima que permeia todo o filme.


Depois de exata 01:00:00 após a última aparição da bruxa, eis que, já dentro do próprio celeiro, já estava a macabra figura, mais uma vez nua, mamando nas tetas de Flora, o bode branco.


Simultaneamente, dentro do casebre, Katherine recebe uma inusitada visita: vê, sentados no meio de seu quarto, Caleb e Sam, vivos. O filho mais velho pede então que Katherine assine um livro para que pudessem ficar juntos. A mãe, sem titubear, concorda.

A sexualidade volta à jogo: Katherine dá de mamar para Sam, que, na realidade, é um corvo que bica seu seio – A já possuída mãe, no final da ação, geme de prazer.

Após o ocorrido, os gêmeos somem, William é morto por Black Phillip, que revale-se como possível alterego do ‘demônio’, e Katherine, já possuída por forças inumanas, é morta por Thomasin, ao tentar agredi-la.


O sexo ainda aparece mais uma vez, de maneira mais contundente, quando Thomasin, ao se comunicar com Black Phillip, é oferecida diversas luxúrias, em troca de sua assinatura, e que tire sua roupa.


A jovem, então, faz o que o ser animalesco a pede. Black Phillip, agora em forma humana, bota sua mão no ombro de Thomasin e a conduz para dentro da floresta, nua, onde encontra outras mulheres, também nuas, realizando um performático rito, de cócoras.

Thomasin se junta às outras mulheres e, na última e derradeira cena do longa-metragem, levita até o céu, numa mescla entre gemido e gargalhada.

A CONCLUSÃO DEVE SER FEITA:


Embora o sexo não seja o viés de mais força em The Witch, os sub-tons sexuais permeiam toda a narrativa, tornando o projeto ainda mais rico em camadas estruturais. Robert Eggers mostra-se um competente diretor em seu primeiro projeto em longa-metragem.


 
 
 

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