estreito - uma análise da fotografia de Horror e SciFi em “Rua Cloverfield, 10“ (2016)
- Pedro Tomé
- 24 de nov. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 26 de nov. de 2020
O que faz um longa ser considerado uma continuação? Mesmos personagens do filme anterior? Mesma linguagem fílmica? Referências a produções antecessoras? "Rua Cloverfield, 10“ (2016), a estréia na cadeira de diretor do norte-americano Dan Trachtenberg, faz questão, desde seus primeiros minutos, de quebrar cada uma dessas noções sobre o assunto. O diretor debutante teve como seu braço-direito o pouco conhecido Jeff Cutter, diretor de fotografia responsável pela cinematografia de longas horror como o remake do clássico “Nightmare on Elm Street” (2010) e o bem-fotografado thriller “A Orfã” (2009).
O conceito estético criado por Cutter influencia e conduz de maneira eficaz a claustrofóbica narrativa ambientada no universo cinematográfico de “Cloverfield – Monstro” (2008), inesperado sucesso produzido por J.J Abrams, que também assina a produção do spin-off. A estática câmera em tripé utilizada por Cutter em grande parte do filme opõe-se à estética elabadorada em seu antecessor, conhecido marco no estilo “found footage – câmera na mão“.
Os limitados ambientes do abrigo onde encontram-se os protagonistas Michelle (Mary Elisabeth Winstead), Howard (John Goodman) e Emmet (John Gallagher Jr), possibilitam transições entre iluminações frias e quentes, na medida em que o dono do local, o estranho (e amedrontante) Howard oscila entre raiva e calma, violência e cuidado.
Ambientes simbólicos como a sala de estar, cozinha e sala de jantar refletem a faceta familiar do “cárcere não-declarado” gerido pelo personagem de Goodman. A atmosfera de clima pessoal destes locais é retratada com o uso da luz ressaltando cores quentes. Um claro exemplo desta técnica utilizada é a cena em que os três personagens jogam um jogo de tabuleiro na mesa de jantar:
Neste determinado momento Michelle julga estar segura, já havia tentado fugir do abrigo (desconfiando da veracidade do discurso de Howard), o que a fez descobrir que de fato há algo macabro acontecendo do lado de fora. Michelle então deixa (brevemente) de desconfiar dos motivos de seu “anfitrião”, criando uma atmosfera de intimidade quase familiar entre os três.
Além de momentos em que os personagens encontram-se envoltos à uma atmosfera familiar, a iluminação de temperatura quente também é utilizada em momento extrema raiva ou tensão física, ambas reações “acalouradas” da natureza humana.
A temperatura de cor nestas cenas é quente, amarelada, alaranjada – totalmente contrastrada com o azul de outros momentos. Para obter o efeito amarelado, é utilizado uma lâmpada incandescente (temperature de 5600K), usada normalmente com o auxílio de refletores HMI. A temperatura de cor serve para manter a pele na cor que estamos acostumados a ver à olho nu, diante da iluminação do objeto.
As cenas em que a iluminação ressalta tons frios e azulados podem ser analisadas de três diferentes formas;
A primeira forma é utilizada em momentos de iluminação naturalista, como as cenas em que ve-se a porta principal do abrigo e seus arredores, ou a cena em que Michelle tenta fugir pela primeira vez; seja noite ou dia, a luz lunar/solar incide em no ambiente pela pequena janela da porta.
(porta principal do abrigo / carpete em baixo – luz naturalista incide pela janela)
A segunda forma de análise desta temperatura de luz no longa-metragem é o uso do azulado como narrador diegético nos momentos em que Michelle e Emmett estão longe de Howard, ressaltando sua distância, contraposta ao calor dos momentos de raiva e proximidade física.
Em situações como esta, o fotógrafo Jeff Cutter aproveita-se da intrigante premissa da obra; os personagens encontram-se enclausurados em um ambiente subterrâneo, toda iluminação interior é controlada e artificial, o que facilita a justificativa no uso de luzes brancas e azuladas.
O ultima análise pode ser realizada: o papel de “descriminador de período do dia”;
Diversas vezes a sala de estar, por exemplo, encontra-se iluminada por lâmpadas fluorescentes comuns, brancas, simulando um período diurno enquanto os personagens tentam passar seu tempo, acordados.
[Já em momentos em que a sala está iluminada apenas por abajures, a luz amarelada contrastada com sombras simula uma atmosfera “noturna”].
A proporção de tela (aspect ratio) utilizada é 2.35:1. Essa proporção pode ser filmada tanto com o uso de lentes anamórficas e depois exibido com um projector com o mesmo tipo de lente, ou através do processo de anamorfização, realizando a transição para 2.35:1 na fase de pós-produção.
O longa conta com um evidente Image System – a repetição na composição de quadro, que intensifica inconscientemente a imersão do espectador na catarse narrativa e cria uma identidade própria à obra. Um recorrente e importante caso nesta obra é a disposição espacial de três pessoas no quadro, criando um triângulo – a Fotografia do filme usa deste artifício para balancear a imagem com um ponto de fuga - procura de um "equilibrio" para a imagem.
O Image-System de “Rua Cloverfield, 10” também é trabalhado de outras maneiras, como por exemplo, a repetição de planos com o mesmo equadramento (literal). Por mais que a atmosfera fílmica seja claustrofóbica devido ao enclasurante ambiente, a profundidade de campo é mais uma característica visual usada de maneira eficaz (e minimalista) no longa.
Um exemplo da pontual utilização da profundidade de campo no filme é a cena em que Michelle consegue escapar do abrigo, deparando-se com uma nave espacial no horizonte.
O uso de lentes grande-angular é necessário para exagerar a profundidade física e distância de Michelle de seu objetivo, escapar viva.
Tais planos gerais ultilizam lentes grandes-angulares também pois abrangem um grande campo de visão e aumentam a profundidade do plano. Além disso, foi necessário usar uma baixa abertura do diafragma, para manter o plano inteiro em foco. A lente é usada para enfatizar essa distância psíquica que contribui para a realização desta metáfora visual de maneira contundente.
(Michelle se depara com distantes luzes da nave espacial)
Contrapondo-se com o uso de planos gerais em sua parte final, a obra conta com a constante utilização de belos Primeirissimos Primeiros Planos (P.P.P) e Planos Detalhe (P.D), visando acentuar a curva dramática. Lentes macro fazem-se necessárias nestas situações.
O voyerismo também está presente em “Rua Cloverfield, 10”. A camera é posicinada de maneira em que o espectador sinta, incoscientemente, que os personagens estão constantemente sendo observados.
O enquadramento do plano posiciona-se quase que como uma camera de vigilancia, reforçando a constante paranóia instaurada por Howard.
Como último ponto da análise fotográfica, é valido ressaltar o contraste entre todas as cenas Interiores e as Cenas Exteriores, o uso de tripe.
No ambiente controlado, o abrigo, a camera permanence ponderosa e estática, contribuindo para a complicada mis’en’scene entre os três personagens e o claustrofóbico local. “sem ter para onde correr”.
Já as cenas Exteriores são gravadas em sua quase totalidade com o uso de steadycams e gruas. Isto deve-se ao fato de que as poucas cenas fora do abrigo mostram uma Michelle em constante ação, seja capotando seu carro ou correndo descontroladamente após fugir do abrigo.
Uma nalise final deve ser feita: “Rua Cloverfield, 10” prova que o gêneros horror e ficção científica conseguem sim andar de mãos dadas quando explorados em poucos ambientes.





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